Instruções de montagem


As primeiras peças são para montar com cuidado. Carinho no rosto, festinha onde mais der jeito. Beijito na sobrancelha, escorrengaço para o canto da boca. Massagem “como quem quer a coisa” nas mamocas (se as encontrar), apalpadela desconfiada nas nádegas (estão lá sempre). Tudo muito bem encaminhado com jeitinho, que é para não assustar a criaturazinha feminina largamente conhecida pela designação de “gaja” (que, em latim, significa “gaja”… se tiverem suficiente sentido de humor). Ora, isto é tudo muito bonito, mas a coisa não vai mesmo lá com instruções. Ao fim e ao cabo, faz-se sempre o que se faz com o móvel que se comprou desmontado numa Moviflor qualquer, passando logo para a montagem do dito cujo, presenteando as respectivas instruções de encaixe das várias partes com um mui excelso marimbanço. É claro que, já a meio do vamos a isso, começa a crescer aquele nervoso miudinho de quem não percebe patavina de onde deve encaixar o quê e, como uma criança contrariada por ter de admitir que não consegue montar o brinde do ovo kinder, lá se recorre por fim às malfadadas instruções de montagem. Pois tudo muito bem, sim senhor, mas… as gajas não trazem com elas as devidas instruções, com as respectivas ilustrações, de onde se deve encaixar o quê. As instruções de como se monta uma gaja devem vir sempre com quem? A assustadora realidade é apenas uma: com o gajo que a monta, claro está! Acontece que, por piada cósmica, ou qualquer outra brincadeira de entidade metafísica, a maior parte dos gajos também nem sequer sabe montar o tal brinde do ovo kinder (e esse até vem com instruçõezinhas coloridas). Nesse infortúnio predestinado de autêntica tragédia grega, resta às gajas a complicada tarefa de trazerem com elas as suas próprias instruções que lhes ensinem a montar os gajos. (só um momento, enquanto me engasgo a rir… tanto pelo trocadilho como por tudo o que é subentendido na expressão). É claro que tem de haver uma incomensurável dose de frustração perto da qual os Himalaias não passam de um montículo de terra peneirada pelas formigas. Frustração de ambas as partes, claro está. Da parte das gajas, porque mal sabem para elas quanto mais para ensinar aos machos imbecis que só sabem balbuciar “sim… isso!” quando, por si mesmos, nunca eles chegariam ao tal “isso”. Da parte dos gajos, porque, por mais que as esforçadas fêmeas os tentem ensinar, eles simplesmente desligam o cérebro e não pescam nada daquilo que se fez em atabalhoada velocidade supersónica, acabando por perder os sentidos quando a aceleração cardíaca atinge mach 5. É aí que o gajo vira para o lado todo satisfeitinho, na sublime ignorância de um sorrisinho, e adormece alheio ao facto de que, se fizesse alguma coisa pela vida, montar uma gaja (ou ser montado por uma, vá), seria infinitamente mais divertido. Entretanto, a gaja que se quilhe (um eufemismo para a palavra do “f”, está bom de ver). Resta-lhe pegar no comando, ligar a TV e apanhar a meio um episódio do CSI. Talvez aprenda com se desfazer do corpo deitado ao seu lado sem deixar rastos nem suspeitas. OK, vou admitir que a maior parte da frustração vai mesmo para a gaja. E, já agora, para mim um bocadinho também… mais tarde ou mais cedo, acaba por me calhar uma dessas fêmeas que foram muito mal encaminhadas, por essa cambada de incompetentes, na complicada arte de montar mecanismos que não param quietos durante o procedimento. Ou seja, a batata quente sobra cá para o rapaz. Isso sim, dá raiva na saliva deste Cão.
Cão Sarnento.

Tea for two



“Sim, meu amor, para sempre!”, e depois ala que se faz tarde! É! É mesmo assim que nos despacham, acabando por desaparecer do quentinho dos lençóis, todas as pessoas que nos prometem mundos e fundos, sabe-se lá com que intenções. Se, desde o início, foi apenas coisa de cama, perfeitamente esclarecida e sem equívocos de melodrama com enredo simplista de celofane, não há enganos a perdoar nem mentiras/verdades para atirar às respectivas trombas da respectiva outra pessoa. É assim e mais nada. Foi só uma cambalhota rebolada com prazer de parte a parte (se a coisa correu bem), e não houve cá secretas intenções de casório num qualquer domingo soalheiro de Agosto carregado de irritantes casamentinhos de emigrantes (nada contra os imigrantes e seus respectivos casamentinhos, mas temos de convir que ainda restam mais onze meses úteis no ano para o raio do nó… do laço, da gravata, da forca, ou lá da metáfora que mais entenderem apropriada). Mas, pronto, prontinho, prontidão… a vida é assim, quer queiramos ou não (apeteceu-me rimar… e depois!). Não adianta ficar na manhã seguinte a carpir choraminganços de triste pessoazinha enganada por cima da solitária xícara de chá (ou qualquer outra bebida perfeitamente inútil na cura da tristeza, mas com ilusórios efeitos placebos para o que quer que seja que mirra o pensamento e derreia o corpo). Depressão? Deixem-me que lhes fale do que é depressão. Depressão é sermos tão deprimentes que, sempre que estamos no meio de uma multidão, o pássaro nos caga sempre a nós na coroa de cabeça. Maior depressão ainda é ser a única pessoa no meio de um enorme deserto, como uma vastidão do caraças em redor, e o tal pássaro cagão soltar o seu projéctil kamikaze que acertará mesmo em cheio na mona deprimida da tal pessoa deprimente. Depressão é doença? É. É, sim. Uma doença do caralho, se me permitem a caralhada (se não me permitem, permito-me eu, que é a permissão que me interessa para dizer o que bem entendo). Ai Jesus, que a minha cara-metade anda a completar-se às escondidas com outra metade qualquer! Ai Jesus, que as minhas finanças são o equivalente histórico à Quinta-feira Negra! Ai Jesus, que nunca passarei férias naquela paisagem de postal! Ai Jesus, que o mundo inteiro está contra mim! Ai Jesus, que estou com entradas na testa! Ai Jesus, que parti uma unha! Ai Jesus, que ai Jesus! Tenham tino, pá! (e já agora, essa cena do “Ai Jesus” é só mais uma acha altamente combustível para toda essa fogueira deprimente). Se balir o nome do divino gajo não se adiantou a ele próprio, o que acham que adiantará a alguém? Néris di pitibiriba! (ou lá como esta treta com sotaque brasileiro que significa “nada” se escreve… eu ainda era um espermatozóide de infantilidade quando ouvi a expressão numa novela qualquer). The bottom line is… weeping over past fucking people who didn’t give a pubic hair about us it’s just stupid. Ou, se preferirem em língua de gente: pá merda com isso! Deprimido fico eu ao perceber que as pessoas encontram o seu Fim Do Mundo pessoal ao virar de cada esquina, no mais pequeno obstáculo do dia-a-dia. Ganhem lá espinha dorsal! E… ficar a pingar autocomiseração sobre xícaras de vapor que arrefece, a remoer afectos que não existiram… isso é coisa de gente que não sobrevive ao quebrar de um prato com defeito de fabrico, comprado à dúzia numa qualquer loja dos chineses.

Cão Sarnento.