Cão Sarnento.
Bola de cristal
Cão Sarnento.
Poemas do Cão 2
A cruz das mulheres
Será mesmo esse o busílis da questão? Será que as mulheres são as mártires (Oh! Coitadinhas!) que se diz que são (segundo a versão das coitadinhas) por causa se serem as portadoras evolutivas daquilo que cientificamente se denomina por “vagina”? Serão as sacrificadas da História que, nos tempos que correm, clamam por voz igual, mesmo que esganiçada (excluindo algumas mais arrapazadas que já vão atalhando caminho)? Serão elas os Cristos dos tempos modernos prestes a ressuscitar triunfalmente? O catano é que são! Se querem saber, mais apropriado seria compará-las a Houdinis sacanas que trapaceiam os mais desatentos com uma bela ilusão conseguida às custas do seu… chamemos-lhe singular equipamento. Pois é! Nada de ilusões aqui! A parafernália tipicamente feminina, que os mais curiosos poderão verificar que se encontra lá para os lados do entrepernas do mulherio (não vou dar a localização exacta para manter a expectativa dos curiosos teóricos sem experiência de campo), é instrumento de suprema manigância! (oh, se é!). Tal como qualquer homem (com o mínimo espírito aventureiro de um Indiana Jones ginecologista) poderá confirmar, às vezes, quando em contacto directo com essa tal de vagina, a realidade assume contornos algo estranhos, e o próprio corpo masculino (ou, pelo menos, certas partes dele) deixa de corresponder às ordens do pensamento (isto, quando não é o próprio pensamento a mandar todas as ordens às favas). E os efeitos maléficos de tal proximidade não se ficam por aí! Era o ficavas! Como se não bastasse tamanha insolência do próprio corpo ao qual se dá ordens desde sempre, os homens (os verdadeiros mártires, claro está) ainda dão consigo, não poucas vezes, a deambular na eterna dúvida de não saberem se essa tal de vagina não será antes um disfarçado comando à distância, embutido sorrateiramente no corpo feminino pelo Criador, que serve para controlar o corpo masculino através da recepção de impulsos (sejam eles quais forem) captados por uma antena receptora estrategicamente atarraxada no homem, à qual, em termos técnicos, se atribui a designação de “pénis”. Se esta possibilidade fosse devidamente considerada, sem o evidente escárnio da comunidade científica (uma cambada de presunçosos!), originaria um grande tratado académico de incalculável valor sociológico que, seguramente, explicaria muitas questões essenciais no que concerne ao relacionamento entre homens e mulheres (assim, de repente, não me ocorre nenhuma questão que seria esclarecida, mas isso também não vem a caso, que o que interessa mesmo é o valor argumentativo da afirmação). Enfim. A arrepiante questão que se impõe é esta: “Serão os homens (hetero) uns acólitos involuntários da extensa doutrina de caprichos professados pelas mulheres (hetero e afins), calculada e friamente comandados à distância através de uma implacável e assustadoramente eficaz tecnologia sem fios?” Uma questão assaz pertinente! Eu sei a resposta mas, infelizmente, é coisa que não posso revelar. Tenho… de… obedecer… aos… impulsos! (há que manter a ilusão do controlo). (raios! O parêntese anterior não era para escrever!).
Cão Sarnento.
O faro das fêmeas
Eu, polígrafo
Depois da primeira mentira, a segunda é imunda… já não se retira… é mais fácil de dizer, e a terceira já é mesmo verdadeira. Jura-se que é verdade com toda a vontade. A verdade torna-se maldade e o amante, esse, não esquece… arrefece e vai-se curar do corte, procurando alguma verdade que lhe calhe em sorte, em qualquer lugar distante, longe da mentira marcante… (apeteceu-me dizer isto antes de acabar… para não pensarem que é só caralho para aqui e para acolá… e quem o pensar tem bom remédio… um supositório de 20cm no esfíncter… com a forma dum caralho!)
Cão Sarnento.
Instruções de montagem
Tea for two
“Sim, meu amor, para sempre!”, e depois ala que se faz tarde! É! É mesmo assim que nos despacham, acabando por desaparecer do quentinho dos lençóis, todas as pessoas que nos prometem mundos e fundos, sabe-se lá com que intenções. Se, desde o início, foi apenas coisa de cama, perfeitamente esclarecida e sem equívocos de melodrama com enredo simplista de celofane, não há enganos a perdoar nem mentiras/verdades para atirar às respectivas trombas da respectiva outra pessoa. É assim e mais nada. Foi só uma cambalhota rebolada com prazer de parte a parte (se a coisa correu bem), e não houve cá secretas intenções de casório num qualquer domingo soalheiro de Agosto carregado de irritantes casamentinhos de emigrantes (nada contra os imigrantes e seus respectivos casamentinhos, mas temos de convir que ainda restam mais onze meses úteis no ano para o raio do nó… do laço, da gravata, da forca, ou lá da metáfora que mais entenderem apropriada). Mas, pronto, prontinho, prontidão… a vida é assim, quer queiramos ou não (apeteceu-me rimar… e depois!). Não adianta ficar na manhã seguinte a carpir choraminganços de triste pessoazinha enganada por cima da solitária xícara de chá (ou qualquer outra bebida perfeitamente inútil na cura da tristeza, mas com ilusórios efeitos placebos para o que quer que seja que mirra o pensamento e derreia o corpo). Depressão? Deixem-me que lhes fale do que é depressão. Depressão é sermos tão deprimentes que, sempre que estamos no meio de uma multidão, o pássaro nos caga sempre a nós na coroa de cabeça. Maior depressão ainda é ser a única pessoa no meio de um enorme deserto, como uma vastidão do caraças em redor, e o tal pássaro cagão soltar o seu projéctil kamikaze que acertará mesmo em cheio na mona deprimida da tal pessoa deprimente. Depressão é doença? É. É, sim. Uma doença do caralho, se me permitem a caralhada (se não me permitem, permito-me eu, que é a permissão que me interessa para dizer o que bem entendo). Ai Jesus, que a minha cara-metade anda a completar-se às escondidas com outra metade qualquer! Ai Jesus, que as minhas finanças são o equivalente histórico à Quinta-feira Negra! Ai Jesus, que nunca passarei férias naquela paisagem de postal! Ai Jesus, que o mundo inteiro está contra mim! Ai Jesus, que estou com entradas na testa! Ai Jesus, que parti uma unha! Ai Jesus, que ai Jesus! Tenham tino, pá! (e já agora, essa cena do “Ai Jesus” é só mais uma acha altamente combustível para toda essa fogueira deprimente). Se balir o nome do divino gajo não se adiantou a ele próprio, o que acham que adiantará a alguém? Néris di pitibiriba! (ou lá como esta treta com sotaque brasileiro que significa “nada” se escreve… eu ainda era um espermatozóide de infantilidade quando ouvi a expressão numa novela qualquer). The bottom line is… weeping over past fucking people who didn’t give a pubic hair about us it’s just stupid. Ou, se preferirem em língua de gente: pá merda com isso! Deprimido fico eu ao perceber que as pessoas encontram o seu Fim Do Mundo pessoal ao virar de cada esquina, no mais pequeno obstáculo do dia-a-dia. Ganhem lá espinha dorsal! E… ficar a pingar autocomiseração sobre xícaras de vapor que arrefece, a remoer afectos que não existiram… isso é coisa de gente que não sobrevive ao quebrar de um prato com defeito de fabrico, comprado à dúzia numa qualquer loja dos chineses.
Cão Sarnento.
Cantigas de embalar
O ir e o voltar da sanidade… essa percepção da razão que nem sempre fica quieta no sítio onde mais chamamos por ela. A dúvida! Essa sim, a maior tortura. A assassina de rosto encoberto por vontades que não são nossas nem pertencem a ninguém. Raramente deixamos de nos perder no caminho quando vamos mais além… atrás de alguém. Isto de caminhar pela areia molhada, seguindo a saliva do mar, é percurso que deixa marcas no coração… tem de se caminhar a sós, seguindo as próprias pegadas. Para seguir as próprias pegadas só andando para trás. Esse caminho leva-nos apenas aonde já estivemos, revisitando os lugares do passado onde já vivemos. Matamos saudade das boas decisões. Bebemos uns copos com as más. Rimos de ambas. Com ambas. Não podemos deixar-nos levar pela xenofobia dos erros. Serão nossos para sempre. Não adianta renegá-los para guetos obscuros onde a amnésia governa com punho de ferro e vontade inflexível. O que estou a dizer? Muitas coisas que fazem sentido para pouca gente. Nada que interesse. Não falo para ninguém para além de mim. Se calhar não é verdade. Se calhar é mentira… Não ser verdade não é bem a mesma coisa que ser mentira. Não quero explicar isto. É coisa que não se disseca em cima de mesa de inox com pequenos ralos por onde se escoa o sangue morto. É coisa para se entende sem explicações. É coisa que é coisa. Poucas coisas são realmente coisas. É difícil ser-se coisa… acaba-se por não ser coisa alguma.
Coisa disforme e sem sentido
Que é barro negro por moldar
Nas mãos grossas do oleiro
Um ser nem livre nem contido
Onde cresce a vontade de recriar
Aquele nosso amor primeiro
São estas cantigas de embalar que nos adormecem a razão. Levam-nos a capacidade de sermos adultos. Devolvem-nos a meninice dos melhores anos e trazem-nos de volta a falta de vergonha que nos deixa dormir no chão. É bom dormir no chão. Não por necessidade, mas por vontade. Aproximar a orelha à terra e ouvir o seu pulsar. Encostar o rosto e sentir o calor do seu ventre. É impossível não querer regressar lá. É uma união sexual com tudo o que existe. É o sentir da carne mesmo não sendo carne. É o sentir do corpo sem fazer distinção entre homem e mulher. É sentir por sentir. É querer o que se quer. É dessas coisas verdadeiras que as pessoas se esqueceram de sentir falta. É mais um entorpecimento do que um esquecimento. As pessoas não sentem que sentem falta disso. É como a carne entre duas pessoas que se gostam. Nessa comunhão, sexo nunca é apenas sexo. As palavras não importam. Quando o querer é verdadeiro, amar e foder significam exactamente a mesma coisa. E esta é coisa que não se explica. Falta sabedoria às palavras. Às palavras inteligíveis sujeitas ao sufoco das regras. Quando os corpos se unem pela vontade e pelo querer, as regras vão-se para os primórdios animalescos da verdade humana. Vão-se para esses tempos recuados em que as palavras não enganavam. Em que os grunhidos e os gemidos faziam justiça às emoções que moviam os corpos. Que falta me faz o animal! Que saudades do primitivo. Eu sou isso. Cá dentro, em mim, sou. A tal fera que arreganha os dentes na máxima contracção muscular do orgasmo. Arqueio as costas numa obrigação ditada pelo momentâneo devaneio do cérebro. Mas, depois, regressa a racionalidade. Olho para a pessoa que me fez vir. Veio-se comigo, num qualquer ideal de sintonia que raramente existe de verdade. Olho-a nos olhos e sinto logo a falta desses instantes que já se foram. Esses instantes em que a outra pessoa foi tão irracional como eu. Sinto falta, porque as palavras voltam. Voltam sempre. O que me rouba não são as palavras, mas sim os significados complicados que elas trazem consigo. Olho a pessoa que me deu o seu corpo e aceitou o meu, e entristeço. A fera que vi nos seus olhos já não vive lá. Mesmo o reflexo de mim… esse já não sou eu. “Oh! Numechateies!”, diz-me essa pessoa com olhos de fera adormecida. Sorrio. Apenas sorrio. Cá dentro, a fera sobe ao mais alto penhasco anoitecido para uivar à lua cheia… mas apenas cá dentro, dentro de mim. Por fora, sorrio. Apenas sorrio.
Cão Sarnento.
Capuchinho Vermelho
“Avozinha, porque tens uma boca tão grande?”, pergunta a miudinha estúpida (ou míope) que não vê logo que o raio da velha é um lobo disfarçado. “Ora, minha netinha… PARA TE COMER MELHOOOORRR!”, responde o lobo (mau?) logo antes de comer a adolescente parva de uma maneira não especificada. Evidentemente, o mau da fita nessa história da carochinha (sem carochinha), é o lobo. Errado! Está perfeitamente claro que o bicho é vítima do mais profundo preconceito social. Então, já pararam para reflectir um bocadinho acerca da realidade dos factos que, por sua vez, são fictícios? “Nariz tão grande! Orelhas tão grandes! Olhos tão grandes! Boca tão grande!” Que porra! Será que o raio da rapariga sofria daquela doença esquisita em que a pessoa apenas consegue identificar partes do rosto mas não o rosto em si, como um todo? O que era, afinal, necessário para que ela percebesse que quem lhe falava era um lobo? (já nem vamos tentar interpretar o facto de o lobo falar). Também há que considerar a possibilidade de a tal avozinha ter sido um soberbo exemplar da mítica “mulher do norte” (pensem em montanhas e no Bigfoot) e que as semelhanças entre ela e o animal possam de facto ter induzido em erro um par de olhos mais desatentos. Mas estas e outras interpretações semelhantes apenas poderão fazer verdadeiramente sentido nas cabecinhas das pessoazinhas inocentinhas. Vamos lá abrir os olhos para a realidade e chamar as coisas pelos nomes. A Capuchinho Vermelho era uma grande cabra, isso sim! Melhor será dizer… uma inacreditável cadela dengosa! Oh, sim! Porque, depois de analisar bem a história, torna-se evidente que a vítima no meio disto tudo foi nada mais, nada menos, do que o próprio lobo. Foi uma jogada muito bem pensada! Na verdade, a avozinha nunca existiu. Foi tudo invenção da menina (que não era assim tão parva). Quando o lobo a encontrou no meio da floresta, ela convenceu-o de que ia levar à avozinha uma bodega qualquer dentro do cestinho. Quando o lobo atalhou caminho e chegou à casa da velha, não a encontrou, claro está. Mas, uma vez que já tinha entrado e já, decidiu disfarçar-se da imaginária carcaça mirrada e enfiou-se na cama à espera da menina inocentinha. Menina inocentinha uma grandessíssima e refinada porra! A Capuchinho era lá uma menina! Era uma mulher muito bem feita, e ainda mais safada, isso sim! De onde acham que vem a expressão: “Mas afinal pensas que isto é a casa da avó, ou quê!” (pronto, talvez não venha da história do Capuchinho, mas apeteceu-me usá-la como argumento de retórica). O lobo é que caiu no conto do vigário. E esta é uma extraordinária analogia (evidente) retirada da minha genial capacidade interpretativa (também evidente), que pode ser aplicada ao comportamento que as mulheres dos tempos modernos adoptam em relação aos homens (digo, aos machos incautos, e com a mania balofa de que são wise guys). Os machos que acham que são espertos olham para as meias altas da menina e vêem uma adolescente que será uma potencial presa fácil. Os machos que, efectivamente, são espertos, olham para as meias e espreitam sorrateiramente por baixo da saia, para verificar se estão presas por um cinto de ligas. Mais vale desconfiar e verificar do que presumir e cair. Se o lobo se tivesse dado ao trabalho de espreitar para dentro do cesto, certamente que teria achado estranha a presença de duas marcas diferentes de lubrificante, preservativos sortidos e um dildo com medidas respeitáveis. Hoje em dia, são as meninas inocentinhas que abocanham (façam lá a piada manhosa que entenderem) os machos com mau nome na praça. Chamam-lhes um figo (ou qualquer outro fruto com fama exagerada de coisa boa), e os desgraçados às vezes nem sabem o que os atingiu. É a evolução dos tempos. Cada vez há mais Capuchinhos Vermelhos por aí, e também abundam os lobos que se disfarçam de inocentinhos, alheios ao facto de que, na realidade, são eles que estão a cair na esparrela. É viver e aprender. Felizmente, sou Cão.
Cão Sarnento.
Amantes de cristal
Complementos ou substitutos? Eis a questão. Mas, questões, há muitas. Como por exemplo: por que raio muitas mulheres insistem em brincar sozinhas quando, na verdade, o que não faltam são homens a quererem entrar na brincadeira? Custa assim tanto dizer “vamos lá a isso, que a brincadeira é danada de boa e até dizem que faz bem à saúde”? Custa? Oh, não, credo! Isso não, que vão pensar que são fêmeas fáceis, putéfias e afins. Deixem-se lá de lugares-comuns arcaicos, que as palermices do milénio anterior não fazem cá falta neste que está nos primórdios. É certo que eu aprecio um bom desafio (mulher que aquece, arrefece e volta a aquecer, e tal), mas, a bem da honestidade, esse jogo do “chega para cá e agora põe-te a milhas” torna-se verdadeiramente aborrecido quando, à partida, ambos percebem que o que interessa é a parte do “chega para cá”. É claro que vai haver sempre os tais defensores dos “bons costumes e da moral”. Quanto a isso, não há nada a fazer. É o karma da Humanidade. Sugiro que esses tais pobres machos se enrabem todos em fila indiana até fazerem um círculo em volta das suas pobres fêmeas, que se verão obrigadas a coçar os respectivos grelos com os seus deditos (sim, porque não há honestidade para arranjar um brinquedinho), desejando por tudo quanto lhes é mais sagrado estarem fora do círculo de panascas, onde há homens que conhecem brincadeiras que vão além de brincar aos sodomitas. Não que haja algum mal em brincar ao faz-de-conta, fingindo que se é um qualquer habitante da bíblica Sodoma… cada um faz o que bem entender com o orifício situado entre os seus nadegueiros. Cada um é como cada qual. Mas confesso que quase me aborrece a mania pandémica de as mulheres insistirem em mandar que os machos interessados vão mas é levar no cu quando, no pensamento, as queima a vontade vulcânica de lhes oferecerem o próprio. Em vez de o fazerem, vão para casa colocar o dildo de cristal na boquinha para humedecer e aquecer muito rapidamente, enquanto a vontade do pecado não se vai. Logo a seguir enfiam-se na banheira, com espuma de sais até ao pescoço, para lavar o que resta dos “maus pensamentos”. Acontece que essas fêmeas asseadas se esquecem sempre de lavar numa parte que, em crianças, somos martirizados para nunca esquecer… lavar bem atrás das orelhas. Lá, pertinho da nuca, onde nascem os pensamentos que nem o mais potente gel esfoliante consegue desbastar. Fechando o círculo (não, não é o tal dos panascas moralistas), e voltando ao início… se os tais amantes de cristal (ou plástico, ou silicone, ou borracha, ou couro… e o que mais o Marquês de Sade pudesse imaginar) são complementos, venham eles que, em boas mãos, a brincadeira agradece. Mas se forem substitutos, bem… boa sorte quando chegarem ao ponto de lhes dizerem “pára” quando, na verdade, a última coisa que querem fazer é parar. Em questão de substitutos, quem manda é a mãozinha. E quando se chega ao ponto em que o macho deveria parar por momentos, para prolongar a agradável tortura, a mão da fêmea acelera e despacha a coisa como quem tem de tomar café à pressa, já com vinte minutos de atraso para picar o ponto no trabalho. Mas, enfim… repetindo a velha máxima: cada um é como cada qual… uns são de plástico, ou silicone, ou borracha, ou couro, ou (requinte dos requintes) até de cristal!
Não me ames assim
Hoje apetece-me falar de coragem. Apetece-me ajoelhar-me no chão, bater com a testa no pavimento várias vezes, em adoração a uma divindade silenciosa dos tempos modernos. A divindade é, obviamente, a “coragem”. Lamentavelmente, tal como todas as divindades, a coisa carece de provas e verificação científica, não é? Bem, na verdade, não é exactamente assim. Esta divindade dos tempos modernos existe de facto, e os seus adoradores crescem a olhos não vistos (sim, eu disse “não vistos”). Esta divindade é adorada pelos seus seguidores de um modo bastante peculiar, que consiste basicamente em… qual é mesmo a expressão adequada?..ah, sim… “porrada pró lombo”. O mais alto ideal dos seguidores desta religião florescente é o evidente “até que a morte nos separe…” (uma vez que a Justiça é lerda, e de outro modo não vejo jeito… mas isto já sou eu a divagar). O dogma fundamental de tão elevada doutrina é uma ideia muito simples: “A violência doméstica não existe”. E sabem que mais? Todos começamos a acreditar nessa mentirola professada pelos decanos ignorantes da vidinha desgraçada e amordaçada. E mesmo aqueles pobres diabos que se julgam no direito de dizer, “ah, e tal, essa vossa religião é uma treta de jumento com palas nos olhos” são facilmente silenciados com a filosófica arma secreta: “entre marido e mulher, ninguém mete a colher!” (a simples lógia, que nos permite concluir que uma reles colher não impede ninguém de levar na tromba, facilmente expõe a imbecilidade inerente a tal comentário). Apesar do meu elevado entender em matéria de relações interpessoais, confesso que não compreendo onde esses crentes corajosos vão buscar tanta fé para se manterem apegados a uma religião tão exigente. Se calhar sou eu que apenas não vejo a sublime verdade (para os fiéis seguidores, são sempre os outros que não vêem… o que quer que seja que eles “imaginam”… que, na maior parte das vezes, cinge-se apenas ao raio que os parta). Pois bem, chamem-me retrógrado, se assim o entenderem, senhores seguidores da tal “fé coragem progressista perfeitamente normal dentro de quatro paredes conjugais” (… a ver se eu não me estou bem a defecar para o que assim entendam), mas é que, simplesmente, não me entram na cabeça duas coisas, a meu ver, bastante ilógicas: a) por que razão o homem bate na mulher; b) por que razão a mulher se deixa bater. Podem explicar-me? “Ah, e tal, não é bater… não é. Acontece que todos os casais têm desavenças.” Pois… deve ser mesmo isso… apenas uma questão de semântica. Pronto, Ok… também há mulheres que batem nos homens, é certo (o que, a meu ver, até está muito bem para essas coisas de igualdade de direitos, e isso), mas como a percentagem dessa ocorrência é tão ridícula como a própria ocorrência em si, aqui fica a nota de rodapé, a bem da justa menção dos dois lados da questão. Lamentavelmente, a questão não tem apenas dois lados. Ai pois não tem, não. Esta religião dos tempos modernos é um raio de um polígono que tem mais faces do que um esquizofrénico sob o efeito de LSD. Essas são as faces a quem a religião coragem mais exige fé. Pois esta doutrina de “não meter a foice em seara alheia” é daquelas que se propaga às custas de sacrifícios cerimoniais. No início, eu disse que me apetecia falar de coragem, mas só tenho falado de cobardia, não é? Bem, a tal coragem que publicitei referia-se àqueles que realmente precisam dela… as tais vítimas cerimoniais desta religião silenciosa dos tempos modernos… os filhos. Os restantes, esses, mantenho o que disse… ajoelham-se perante o altar da coragem mas, na hora de sofrer, preferem sacrificar as vítimas da sua cobardia. Raios! Deve andar no ar algum vírus mirabolante, que não sei o que me deu para escrever isto… na verdade, eu só queria dizer uma frase: “fechar a mão e bater é feio… fechar os olhos e negar é monstruoso.” Era só isso.
Cão Sarnento.
The Devil in me
Cão Sarnento.
Viúva Negra
Cão Sarnento.
Pop the cherry
O Perfume
Cão Sarnento.
És a minha vida...
Cão Sarnento.
Quem não tem cão caça com gato
Do you feel lucky?
"Dá-me o que sentes."
Hard-core atravessado na garganta
Co(r)pos vazios
Desta vez não há ditos espertinhos, apenas uma breve história de coisas que se aprendem sem querer durante um copo e se esquecem logo antes de acabar de beber. Na noite e no dia, no que nos faz e desfaz, no que vive em nós e no que um estranho nos traz. Apenas isso… a eterna história da rapariga e do rapaz:
«As pessoas que encontramos na noite são as mesmas que encontramos durante o dia. No entanto, parecem-nos tão diferentes quando se movem nas sombras mal iluminadas pela luz artificial. Na noite somos todos outras pessoas… artificiais. Ou, se calhar, é assim que somos durante o dia e a noite só nos torna nas pessoas que devemos ser… reais.
A noite é a noite.
O dia é o dia.
E nós somos ambos.
A vida é o que é e não quer saber quem somos quando se cruza connosco durante o dia. Mas na noite todos queremos ser e fazer conhecidos. É estranho que as pessoas que conhecemos nas sombras mal iluminadas reparem mais depressa no copo que temos na mão do que no rosto que temos sobre os ombros. Mais estranho ainda é que quando nos querem conhecer não perguntem o nome do nosso rosto mas sim o nome da bebida que temos dentro do copo. E quando a bebida acabar e colocarmos de lado o copo vazio, ficando só com o nosso rosto em cima dos ombros, como é que vai ser? Será que as pessoas ainda nos querem conhecer? Ainda vão querer saber quem somos? Alguma vez souberam? Ou será que a pessoa que fomos (para elas) se vai embora juntamente com o copo vazio que colocamos de lado. Acho que as pessoas que realmente nos querem conhecer têm de nos perguntar quem somos duas vezes: primeiro, ao copo que temos na mão, e depois ao nosso rosto. Quem se esquecer de nós com a mesma facilidade (quase desprezo) com que colocamos o copo de lado, na verdade, não nos queria conhecer; queria tão-somente não estar só na noite, naquele momento, e saber que bebida bebemos. E depois, aquela certeza que queremos combater de sabermos que, depois da noite, temos sempre de voltar para o dia. É aquela desagradável sensação de cruzar uma porta que esteve aberta toda a noite mas que estará fechada todo o dia. Nesse momento, é terrível a maldição que lançamos à claridade natural do sol que nasce. É como se fôssemos vampiros que deixam o refúgio das sombras e encontram no sol um inimigo. A noite é o nosso santuário; o dia, o nosso campo de batalha. E atravessamos essa porta para nele combatermos; lá deixamos o nosso sangue, o nosso suor, as nossas lágrimas. Depois vem aquela desanimadora sucessão de mal-entendidos que, à luz do sol, nos faz pensar: “Foi aquela pessoa que eu conheci nas sombras? Foi aquele rosto sem cor e cabelo desgrenhado que me cativou o olhar? Foi aquele olhar desinteressante que me pareceu brilhar?” E arrastamo-nos até casa, esperando adormecer o mais depressa possível para que esqueçamos esses rostos que serão esquecidos, e para que passe o nosso mal-estar que passará. Deitamo-nos já de dia e levantamo-nos ainda de dia, fazendo do nosso dia a nossa noite. E depois de dormir, e depois de acordar, do nosso mal-estar fica-nos a recordação sob a forma de uma sensação… um gosto ácido de vestígios de bebida na boca que envolve a língua e torna todos os sabores amargos e desagradáveis. Mas essa até é a melhor sensação se a compararmos com a pior. A pior sensação não nos fica na boca mas sim no rosto, em todo o corpo, quando enfrentamos o espelho, escovando os dentes, sabendo que ninguém nos conheceu e que nós não conhecemos ninguém.
E depois?
Depois pensamos que já conhecemos muita gente e que esquecermo-nos de alguém, de vez em quando, não tem assim tanta importância. Tomamos o nosso banho esquecendo não só as pessoas que conhecemos mas todas e tudo em que tocámos para que agora, apenas e só, tivéssemos memórias, corpo e sensações para lembrar, reconhecer e sentir o cair morno e deslizante da água. Ainda absorvidos pela sensação relaxante de um duche que nos soube melhor ao corpo cansado do que saberia a água ao corpo sedento, é com uma tranquilidade estúpida e apática que, na rua, passamos pelos desconhecidos que conhecemos na noite anterior. Não viramos a cara para lhes dizer olá; apenas os nossos olhos se encontram por instantes, com aquela frustrante incerteza de não sabermos se conhecemos essas pessoas ou se é só impressão nossa. Lembramo-nos então que, se trocámos apresentações e dissemos os nossos nomes, agora estão mais esquecidos do que algo que nunca existiu. Lembramo-nos, afinal, da importância que têm os nossos nomes para os nossos pais, para os nossos irmãos e para os nossos amigos, pois para os desconhecidos que conhecemos na noite não têm importância alguma. As vozes que nos pedem um nome na noite não querem saber como nos chamamos, querem apenas saber como se chama a nossa bebida. Nós respondemos e eles acreditam que é assim que nos chamamos. Aos mais cépticos damos a provar a nossa bebida. Essa é uma vantagem da bebida sobre o nome; não se pode provar um nome. Então, com o sabor do nosso nome ainda às voltas nas sua línguas, inundando as suas bocas e escorrendo pelas suas gargantas, pensam que já nos têm dentro deles e que possuem a nossa identidade como se fossem a folha de papel sobre a qual está impressa a nossa certidão de nascimento. Essa confiança dá-lhes o à-vontade de que o tímido precisa para se expressar. Mas, já com o sabor do nosso nome a percorrer os seus corpos, eles não se expressam; simplesmente, já não se calam… falam, falam e falam. É terrível esse hábito que os consome depois de saberem o nosso nome e provarem da nossa bebida; esse hábito irritante de acharem que as suas vidas pessoais nos interessam tanto quanto a eles e, mais irritante ainda, é mostrarem-se tão interessados na nossa vida pessoal quando, na realidade, não estão. Às vezes, não acredito na quantidade de idiotices que me dizem achando que são irrefutavelmente as mais acertadas e completas filosofias de vida! Ninguém tem filosofias de vida; tem-se apenas vida. O resto é apenas uma compilação de merdas compostas de maneira teoricamente bastante acertada mais ou menos filosóficas mas, de todo, não importantes. Por fim, mais vale mesmo ficarmo-nos pela conversa de circunstância e não lhes dizermos o nosso nome, e muito menos dar a provar da nossa bebida. Devemos dizer o nosso nome a quem não tenha de o perguntar e a nossa bebida é sempre nossa até que, sem que nos peçam, a queiramos dar a provar.
Fim.»
Cão Sarnento.
Sol da minha vida
“Oh, sim, tudo gira à tua volta, meu amor!” Yeah, right! Como se alguém pudesse dizer isso sem mentir com todos os dentinhos que tenha na boca (mesmo que a partir de uma certa idade se minta apenas com as gengivas, não me venham cá com histórias que a ideia é a mesma… a verdade não cresce com a idade, mas sim com o carácter). Sejamos lá honestos! Quando muito, tudo gira à volta da ideia de gostarmos de outra pessoa e não dessa tal pessoa em si. A ideia de se gostar é que nos enche a cabecinha com mundos e fundos (mesmo para quem não conheça esta expressão do nosso extenso acervo de regionalismos, o seu significado é razoavelmente intuitivo). Ora vamos lá encher isto com umas belas analogias. Partindo do princípio que é do domínio geral o básico conhecimento acerca do girassol (a tal planta que segue a trajectória do sol… estava mesmo difícil de se ver), vamos imaginar que a tal pessoazinha por quem se ficou estupidamente “je ne sais quoi” é o sol e que, na mesma ordem de ideias, nós somos o girassol (nós, isto é, vós). Já estão essas cabecinhas a funcionar? Já? Já? Certo. Adiante. Muito bem… o exercício é relativamente simples. Suponhamos agora que de repente dá-se um micro Big Bang no céu e aparece outro sol no extremo oposto acima da linha do horizonte. Pergunta pertinente: em que direcção há-de então o desgraçado do girassol inclinar-se? Pois é! Pois é! Então e agora como é que a tal florzinha amarela (vós) descasca esse abacaxi, hã? Nada mais simples! Faz-se o que se faz na maior parte das vezes… improvisa-se uma mentirola remendada com o pano roto de uma meia-verdade desesperada. “Oh, sim, meu amor… quando estou perto de ti a minha vida é um vaivém de emoções!” Estão a ver bem a trafulhice? Por um lado, não deixa de ser verdade, pois o girassol (sim, vós) vai e vem de um sol para o outro, ao sabor do que mais lhe convém, ou simplesmente ao abrigo da ignorante permissão de um dos luminosos corpos celestiais, ou até de ambos, consoante o nível de sacanice (não esqueçamos que nesta analogia, o sol representa a tal pessoazinha de quem se gosta). Por outro lado, é uma inequívoca e cobardolas indecisão de se escolher o sol que mais brilha e aquece. Mas enfim, estrela a estrela enche a galinha o papo. (oh, poupem-me! Foi o trocadilho que me apeteceu e pronto!) Para não surgir a ideia de que a flor (feminino) que engana o sol (masculino) é a minha interpretação tendenciosa da analogia, também me refiro à flor como girassol (masculino) e ao sol como estrela (feminino). Por isso não me venham cá com teorias mal amanhadas de machismos e tal, que isso cá é selo postal que não cola com uma simples lambidela. O machismo é antagónico da esperteza. E como eu sou notoriamente espertinho… bem, a conclusão é bastante acessível. Continuando… (onde é que eu ia mesmo? Ah!) Pois então, no seguimento lógico da minha excelente analogia, na sua generalidade, os homens são uns grandes aldrabões, e as mulheres umas grandes aldrabonas são. Uns e outros merecem-se tanto quanto as nádegas de uma masoquista merece umas boas chibatadas. (sim, eu disse “uma” masoquista… não é machismo, não… acontece que, como homem, seria no mínimo estranho eu escolher o exemplo masculino quando o feminino está perfeitamente disponível). Mas, para encerrar com uma acertadíssima conclusão repleta de impagável sabedoria acerca dos comportamentos humanos, em última análise, o que cada um vê na tal pessoazinha portadora do vírus da parvalheira, que ataca o coração e desenvolve metástases que fazem mirrar o cérebro, é nada mais do que a projecção de tudo aquilo que nos falta para nos sentirmos completos. (mais uma vez, apenas faço uso da primeira pessoa do plural para uma maior facilidade de expressão). Assim sendo, o que frequentemente se vê nessa tal pessoazinha é a projecção de sonhos e expectativas. As qualidades que se vêem são apenas aquelas que gostaríamos de encontrar projectadas por alguém em nós. Em vez, a desilusão derrota-nos quando percebemos que afinal essa tal pessoazinha não passa de um espelho que reflecte apenas aquilo que projectamos nele. A todos, resta-nos um pequeno conforto: conservar a esperança de um milagre que contrarie tudo isto que acabei de dizer. (sim, desta vez incluo-me no “nós”).
Cão Sarnento.