O Perfume


Qual o cheiro de uma mulher? Qual o aroma que faz o macho virar a cara e erguer o queixo para sentir a presença da fêmea com a qual acabou de se cruzar? Que explicação nos dá a racionalidade para esse mistério primitivo que nos prende ao outro sexo? Será que as feromonas explicam tudo? (oh! Não me chateiem agora com o que são feromonas… vão ver ao dicionário!) Na minha respeitável opinião de Cão com olfacto apurado, parece-me que a primitiva natureza animal não explica tudo. A meu ver, a natureza humana tem uma palavra a dizer acerca do assunto. Ao fim e ao cabo, todos somos animais racionais (supostamente). Mas, se o calor do cio que parece dominar todas as outras espécies exercesse igual absolutismo tirano nas pessoas, dificilmente algum dia teríamos ouvido falar em disfunção eréctil (pelo menos derivada de causas psicológicas). Não havendo nenhum impedimento físico para a obtenção de uma orgulhosa e funcional erecção, bastaria que o macho dilatasse as narinas e se deixasse levar pelo perfume de “je ne sais quoi” (ou de fêmea, se assim preferirem aqueles que não percebem o meu admirável francês de vão de escada). Mas isso não corresponde à implacável realidade, pois não? O facto é que, muitas vezes, o cheiro da fêmea não chega para excitar o macho. Admito que o perfume de um corpo de mulher possa despertar o desejo de um homem, mas, por si só, não exerce poder suficiente para manter esse mesmo desejo para que a coisa dure mais do que uns vergonhosos sessenta segundos. A excitação tem de ser estimulada. O macho tem de farejar mais, e mais fundo. Tem de encostar a cabeça no ombro da mulher e inspirar o perfume do seu pescoço. (esqueçam os perfumes com nomes de paneleiros italianos ou franceses… falo do perfume da carne, que emana através da permeabilidade de cada poro da pele da mulher). O homem tem de deslizar o rosto pelo meio dos peitos da mulher e sorrir com a grata recordação de uma infância despreocupada e cada vez mais longínqua… é esse o perfume dos mamilos rijos de uma mulher excitada… saudade da infância. Mas o macho tem de farejar mais fundo ainda. O queixo do homem tem de percorrer demoradamente o ventre horizontal da mulher e parar a meio, de rosto assente sobre o umbigo, sentindo o odor quente da pele em ondas de calor que lhe invadem as narinas. É nesse instante que o cabelo se eriça na nunca do homem ao sentir a pele arrepiada da mulher. É a antecipação. É o crescer da vontade (quando a mulher já começa a pensar: “anda mas é lá com isso, que já não me aguento!”). É então que a mulher abre mais as pernas. Mas o homem não vai logo lá, com a sede toda ao pote (pelo menos, não aquele que sabe o que está a fazer). O homem insinua-se pelo meio das pernas da mulher e prolonga a sua vontade de sentir o perfume que o puxa para o calor que mais aquece. O homem encosta a face às coxas da mulher e demora-se na sua vontade de sentir o cheiro da pele macia. O canto dos lábios dele toca na pele dela com um “sem querer” fingido que não convence ninguém. É nesse momento que os olhos do macho sobem e encontram os da fêmea. É nesse momento que ambos os animais sorriem. A mulher sente-se quente. O homem sente-se aquecê-la. O homem aproxima o rosto para sentir o perfume mais intenso. Cona. O instinto do macho rebenta a escala da irracionalidade, e mesmo o mais imbecil deles sabe perfeitamente o que fazer. Mas não é isso que verdadeiramente excita o homem. O que lhe dá o tesão de que necessita (que ambos necessitam), não é o cheiro do sexo da mulher, é aquela expressão nos olhos dela… é a vontade dela em sentir o homem dentro de si. Isso sim… é coisa que desconcerta! Que engrandece. Que faz arder por dentro como quem bebe um engasgado shot de tequila à pressão, e depois leva uma valente palmada nas costas. Então, a que cheira a mulher? A fêmea não poderia ter um perfume mais forte. A mulher cheira à irresistível vontade de tê-la! (bem, quase irresistível… não, irresistível… mas, vendo bem… não, é mesmo coisa do catano, vontadezinha danada… ora, não vamos exagerar… pronto!... é coisa!).

Cão Sarnento.

2 comentários:

carpe vitam! disse...

é pelo cheiro que tudo começa… os humanos ignoram muitas vezes o poder olfactivo que possuem. O odor de um corpo excitado… imaginado, percorrido, saboreado, memorizado antes de qualquer outro sentido.

As feromonas penetram-nos as narinas e excitam-nos o cérebro. Não é uma coisa simples, não é assim tão fácil de acontecer (pelo menos para mim).

Mas o mais incrível, é quando não há cheiro, não há sabor, não há som, não há o mínimo contacto físico, apenas um olhar atento a percorrer simples letras alinhadas que parecem fazer sentido…

Cão Sarnento disse...

As palavras possuem o perfume mais forte... cheiram a imaginação. Nelas, sentimos o que lá existe, ou apenas buscamos significados que não encontramos, apenas insistindo porque a nossa vontade persiste. O sentido das palavras, às vezes, está lá. Outras vezes, sentido é coisa que não há.