Bola de cristal


Diz-me como vai ser. É para sempre? És capaz de jurar? Podes-me dizer? É isto que preocupa homens e mulheres (não adianta dizer que não, e tal… é treta que nunca vai pegar). É dúvida racional? É insegurança natural? É receio justificado por todos os “para sempre” que já correram mal? É o quê, isso de acreditar que alguém gosta verdadeiramente do pobre coração que bate no peito como um baterista sob o efeito de speeds? Como acreditar no “desta vez será diferente” que se ouve? E, mesmo que nunca se tenha gostado antes e amargado um desgosto, como se pode acreditar no milagre de ter acertado logo à primeira? São muitas perguntas. O futuro é mesmo assim. É uma montanha de perguntas que todos têm de subir para chegar ao cume. Às vezes, até os alpinistas mais experientes escolhem a subida mais acidentada. É difícil resistir à tentação das emoções fortes. É complicado explicar. Resta experimentar. É claro que se pode perfeitamente passar a vida no sopé da montanha, onde o terreno é regular e o piso estável (fucking pussies!). É uma escolha fácil… para quem não tiver qualquer problema em encarar os rostos daqueles que regressam da montanha. Os mais afortunados regressam com objectivo cumprido e um sorriso nos lábios. Aqueles que ficaram a meio, por qualquer motivo, e regressam sem completar a subida, trazem uma expressão menos satisfeita, mas ainda conseguem sorrir com a esperançosa vontade de tentarem novamente. É claro que há riscos consideráveis nisso de subir montanhas. Por mais experiente que sejam, alguns desaparecem durante a subida e nunca chegam a regressar da montanha. “É a vida!” (quem souber do que falo, entende o trocadilho… quem não souber, toca a subir a encosta!). Seja qual for a experiência que se encontra na subida, há uma coisa comum a todos aqueles que se fizeram à encosta: quando regressam, olham para os que ficaram com um desprezo civilizado. É civilizado porque não atiram isso directamente à cara das pessoas que não tiveram a coragem, determinação ou, muito simplesmente, curiosidade para também deitarem os pés ao caminho inclinado. Como as pessoas estão demasiado amestradas pelo convívio em sociedade, não dizem o que realmente lhes vai na vontade. Os que foram não dizem a verdade aos que ficaram. Que o que interessa mesmo nem sequer é chegar ao cume. Há que ser realista. Poucos se sentam no topo da montanha que se propõem escalar. Mas o que interessa mesmo é tentar. Subir. Perder o ar. Olhar para longe e diluir a vista na paisagem. É querer ficar lá em cima para sempre, mesmo sabendo que isso não será possível. As pessoas não foram feitas para viver a essa altitude por muito tempo. O sangue não possui oxigénio suficiente. Resta chegar lá e resistir o máximo de tempo possível, até que a distância da terra obrigue os pés a regressarem ao chão. Eu gosto de subir montanhas. Mas isso sou eu que me seguro bem. Tenho quatro pernas. Sou Cão. Ou, se calhar, até nem é nada disso. Se calhar, sou apenas homem, mas escolho bem a quem dar a mão. Ou, então, tenho a minha parte de quedas e já não dou a mão (nem “sim” nem “não”… este é o “nim” ambíguo do Cão). A pessoa a quem se dá a mão é a pessoa que nos vai segurar quando cairmos. Não pode haver fraqueza aqui. Muito menos do nosso lado. Não podemos esquecer-nos de que essa pessoa a quem damos a mão, se ela cair, leva-nos consigo. E aqui a história complica-se. Se realmente gostarmos dessa pessoa, não lhe largamos a mão, mesmo que nos leve consigo. Mas, se essa pessoa realmente gosta de nós, é ela que nos larga a mão para cair sozinha. É assim que se vê que a escalada vale a pena. Quando se encontra alguém que se sacrifica numa queda solitária para nos poupar. E o que acontece quando se encontra uma pessoa assim? É alguém que também arriscou a escalada. Sempre haverá tropeções. É inevitável. Será possível subir a montanha sem nenhum dos dois cair? Eu sei a resposta. OK, pronto… não sei! Mas isso não interessa para nada, porque a pergunta também não me consome o juízo (que já é escasso). Na minha modesta opinião de observador extraordinariamente perspicaz e inteligentíssimo (manguito para a modéstia, mas é!), o que realmente importa é aquilo que se pode comprovar com a experiência. O bom e o mau. Os sorrisos e as lágrimas. O ter vivido. A certeza em vez da dúvida. O ter sentido. É isso… o medo de errar torna-se o erro maior quando derrota a vontade de acertar. E o futuro é isso. É a vontade de acertar mais forte do que o medo de errar. Diz-me como vai ser. É para sempre? És capaz de jurar? Podes-me dizer? Não. Mas posso tentar. Como num filme (em inglês, como manda a sapatilha… uma daquelas comédias românticas que provocam náuseas de tanto cliché, mas que toda a gente vê, sabe-se lá porquê!)With my fears tamed. Then, I’ll say: “I’m smiling now, you idiot!”

Cão Sarnento.

Poemas do Cão 2


“Ser”

Dá-me o que sentes
O que és
O que fazes
O que tens
O que mentes
Quero
Dá-me como ninguém
Como quem perde
tudo o que tem
assim, na palma da mão
no vazio de não ter
na ilusão de possuir
Dá-me
Quero saber
se vais mentir
recusar
ou lutar
Se vais ficar
ou desistir
Diz-me
Quero saber
se hei-de chorar
ou rir

Cão Sarnento.