Não me ames assim



Hoje apetece-me falar de coragem. Apetece-me ajoelhar-me no chão, bater com a testa no pavimento várias vezes, em adoração a uma divindade silenciosa dos tempos modernos. A divindade é, obviamente, a “coragem”. Lamentavelmente, tal como todas as divindades, a coisa carece de provas e verificação científica, não é? Bem, na verdade, não é exactamente assim. Esta divindade dos tempos modernos existe de facto, e os seus adoradores crescem a olhos não vistos (sim, eu disse “não vistos”). Esta divindade é adorada pelos seus seguidores de um modo bastante peculiar, que consiste basicamente em… qual é mesmo a expressão adequada?..ah, sim… “porrada pró lombo”. O mais alto ideal dos seguidores desta religião florescente é o evidente “até que a morte nos separe…” (uma vez que a Justiça é lerda, e de outro modo não vejo jeito… mas isto já sou eu a divagar). O dogma fundamental de tão elevada doutrina é uma ideia muito simples: “A violência doméstica não existe”. E sabem que mais? Todos começamos a acreditar nessa mentirola professada pelos decanos ignorantes da vidinha desgraçada e amordaçada. E mesmo aqueles pobres diabos que se julgam no direito de dizer, “ah, e tal, essa vossa religião é uma treta de jumento com palas nos olhos” são facilmente silenciados com a filosófica arma secreta: “entre marido e mulher, ninguém mete a colher!” (a simples lógia, que nos permite concluir que uma reles colher não impede ninguém de levar na tromba, facilmente expõe a imbecilidade inerente a tal comentário). Apesar do meu elevado entender em matéria de relações interpessoais, confesso que não compreendo onde esses crentes corajosos vão buscar tanta fé para se manterem apegados a uma religião tão exigente. Se calhar sou eu que apenas não vejo a sublime verdade (para os fiéis seguidores, são sempre os outros que não vêem… o que quer que seja que eles “imaginam”… que, na maior parte das vezes, cinge-se apenas ao raio que os parta). Pois bem, chamem-me retrógrado, se assim o entenderem, senhores seguidores da tal “fé coragem progressista perfeitamente normal dentro de quatro paredes conjugais” (… a ver se eu não me estou bem a defecar para o que assim entendam), mas é que, simplesmente, não me entram na cabeça duas coisas, a meu ver, bastante ilógicas: a) por que razão o homem bate na mulher; b) por que razão a mulher se deixa bater. Podem explicar-me? “Ah, e tal, não é bater… não é. Acontece que todos os casais têm desavenças.” Pois… deve ser mesmo isso… apenas uma questão de semântica. Pronto, Ok… também há mulheres que batem nos homens, é certo (o que, a meu ver, até está muito bem para essas coisas de igualdade de direitos, e isso), mas como a percentagem dessa ocorrência é tão ridícula como a própria ocorrência em si, aqui fica a nota de rodapé, a bem da justa menção dos dois lados da questão. Lamentavelmente, a questão não tem apenas dois lados. Ai pois não tem, não. Esta religião dos tempos modernos é um raio de um polígono que tem mais faces do que um esquizofrénico sob o efeito de LSD. Essas são as faces a quem a religião coragem mais exige fé. Pois esta doutrina de “não meter a foice em seara alheia” é daquelas que se propaga às custas de sacrifícios cerimoniais. No início, eu disse que me apetecia falar de coragem, mas só tenho falado de cobardia, não é? Bem, a tal coragem que publicitei referia-se àqueles que realmente precisam dela… as tais vítimas cerimoniais desta religião silenciosa dos tempos modernos… os filhos. Os restantes, esses, mantenho o que disse… ajoelham-se perante o altar da coragem mas, na hora de sofrer, preferem sacrificar as vítimas da sua cobardia. Raios! Deve andar no ar algum vírus mirabolante, que não sei o que me deu para escrever isto… na verdade, eu só queria dizer uma frase: “fechar a mão e bater é feio… fechar os olhos e negar é monstruoso.” Era só isso.

Cão Sarnento.

7 comentários:

carpe vitam! disse...

Fizeste-me lembrar a rapariga do olho negro. Da primeira vez, pensei que se podia ter aleijado de alguma forma estúpida, da segunda, pensei que pudesse ser um estúpido sinal de nascença, mas da terceira deixei de ser estúpida e percebi que não era nada disso, até porque era no outro olho. A ironia é que o marido supostamente é polícia... mas eu sei onde ela trabalha, a ver se ganho coragem para ir lá fazer-lhe uma visita.

Pearl disse...

Eu fui a "filha"!

beijinho

Cão Sarnento disse...

O mundo é feito de coisas neutras. O Bem e o Mal é a dualidade do critério interpretativo de todas essas coisas. Lamentavelmente, a linha que separa ambos os conceitos nem sempre é evidente sob o ténue foco da imparcial justiça.(digo "imparcial" porque também há justiça parcial... que, infelizmente, é a que parece exercer maior poder). Mas, no que me diz respeito, seja qual for o mundo, e seja qual for a interpretação, um soco nas trombas
é um soco nas trombas; um agressor é um agressor; uma vítima é uma vítima... e por aí adiante até ao etc. Como seres racionais que somos, não há justificação válida para determinadas cobardias, nem há volta a dar a realidades vergonhosas com interpretações tendenciosas e espertinhas. Resta-nos esperar que os filhos de gerações cobardes cresçam com um coração maior, e com vontade de deixar para trás maus exemplos que não edificam seres humanos mas sim seres entristecidos com o remorso de uma culpa que não lhes pertence.

carpe vitam! disse...

não encontrei nada recente sobre violência doméstica contra homens, a não ser que as queixas têm estado a aumentar 10% ao ano na APAV e estas de 2005:

http://dn.sapo.pt/2005/02/22/sociedade/elas_insultam_ameacam_e_mais_pervers.html

http://dn.sapo.pt/2005/02/22/sociedade/homens_queixamse_cada_mais_maus_trat.html

leste isto?
http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Interior.aspx?content_id=977681

é uma ilustração viva do inferno. Mas lá está, enquanto há vida, há esperança. Haja Coragem!

JCA disse...

existe violência doméstica!

Existe negação! Essa negação existe porque o mundo fecha os olhos aos factos.

Um cônjuge agredir o outro (vamos tirar os sexos aos ditos por agora) é mais comum do que se pensa, as razões que um agredir o outro... não sei.

A violência doméstica existem em todas as classes sociais, e temos na comunicação social exemplos disso (da dita alta sociedade) em relação ao Tallon e ao Albarran.

As mulheres usam violência psicológica, os homens física.

Maioritariamente as queixas que aparecem são das mulheres, de ambos, elas ainda são as menos envergonhadas.

Os números reais devem ser muito assustadores, mas como tudo se passa da porta para dentro, ninguém sabe o que realmente se passa, como se passa e com quem se passa.

A violência doméstica para com as mulheres e a maioritária, e geralmente é violência física e psicológica. Elas por medo, vergonha, orgulho, e muitas das vezes cegueira (ele bate-me mas eu gosto dele) não abandonam o lar, também é certo que a lei não protege o direito da vitima, no fundo o que a lei diz nesta situação em concreto é: "se estás mal muda-te".

Mas lutar contra a violência doméstica não passa só pelo cônjuge-vitima afastar-se, ter coragem de enfrentar de frente que lhe bate, os vizinhos, os amigos, os familiares, todos têm o dever social e moral de ajudar a vitima, fugindo um pouco à violência doméstica, nos casos das crianças em risco por maus tratos, muitas das vezes as instituições que têm poder de intervenção ficam logo com os pés e mãos atados pelo facto de os vizinhos, amigos e familiares dizerem de imediato, "da porta da dentro não sei o que se passa, não quero saber o que se passa, nem tenho nada a ver com o que se passa", e que são esses que depois quando as tragédias acontecem são os primeiro a virem para a televisão dando espectáculos que as TVs adoram comprar dizendo que já tinham avisado que alguma coisa ia acontecer e que ninguém quis saber.

é grave que hoje, depois de tanto evoluirmos, continue a existir violência doméstica, maus tratos a crianças, etc, etc, etc...

mas mais grave é todos os outros fecharem os olhos e não tomarem em mãos essas situações e terem coragem de ajudar quem precisa, que muitas das vezes passa pela simples denuncia no tribunal, na PSP, na GNR ou na PJ dessas situações.

A GNR tem o NMUME (Núcleo Mulher e Menor) são um grupo de militares da força com competências específicas para actuarem nas situações de violência doméstica e crianças em risco)

A PSP no seu site tem diversas informações como reagir numa situação de violência doméstica e identifica como funciona as esquipas de proximidade para estas situações:

http://www.psp.pt/psp/proximidade/violencia_domestica/crime.html

http://www.psp.pt/psp/proximidade/violencia_domestica/atendimento.html

Portanto não há desculpa da parte dos amigos, vizinhos, familiares (que muitas das vezes são coniventes, mas preferem fechar os olhos) para não tomarem o pulso à situação e ajudarem quem precisa...

e tenho dito...!!

Octávio disse...

no seguimento do que aqui foi dito, e muito pelos vistos já foi dito, embora nunca seja de mais, deixo esta noticia:

http://www.invirtus.net/in/story.php?title=viol%EAncia-dom%E9stica-sobe-entre-licenciados

Cão Sarnento disse...

idem idem, aspas aspas.
Agora, é esperar por um mundo melhor... vamos fazer figas.