Como saber até onde podemos ir sem que nos digam onde devemos parar? Qual a força tolerável das palmadas até que se tornem verdadeiramente dolorosas e desagradáveis? E morder? Até onde podemos enterrar os dentes na carne sem fazer sangue. Qual a tolerância da pele ao fio das unhas? Quanta pressão se aguenta até surgir a vontade de gritar “foda-se, pára!”? E a confiança? Até que ponto nos permitimos entregar o nosso corpo nas mãos de outra pessoa e deixarmo-nos à mercê das suas vontades? “Queres prender as minhas mãos à cama? Algemar-me? E se gostas do que eu não gosto? E se mo fazes sem eu querer?” Como saber estas respostas sem as pedir abertamente? Devemos confiar nos instintos? Devemos acreditar que conhecemos verdadeiramente a pessoa que nos acena com um par de algemas? O que fazer? O que pensar? O que permitir? O que aceitar? Haverá respostas concretas? Devemos pedi-las? E se nos perguntam a nós? Devemos responder com sinceridade? Será que devemos? Será que não assustaremos quem nos pergunta? Será que não nos assustaremos a nós mesmos com certas respostas que acabamos por dar? Até que ponto alguém se conhece realmente? Quantos cantos escuros ficam por iluminar nas memórias reprimidas de um passado mal resolvido? Quanta sujidade escondida se encontra varrida para debaixo de um qualquer tapete marroquino? Quantas vezes nos recusamos a admitir que somos “assim”? Quantas vezes nos sentimos enojados por pensarmos “nessas coisas”? E quantas vezes não compreendemos por que razão não ficamos enojados por pensarmos em coisas piores? “Sim, é isso que queres? Que te bata? Mesmo? Com força? Mesmo?” E porque não? Porque não fazê-lo? Porque não permiti-lo? “Mas, mesmo a sério?” Porquê hesitar? Porquê perguntar? É para não magoar de verdade? É para sabermos se a outra pessoa quer mesmo uma agressão que lhe dará prazer em vez de sofrimento? E se não houver prazer? E se for apenas fingimento? E se a outra pessoa não gostar de apanhar? E se formos apenas nós que gostamos de dar? E se a outra pessoa apenas gostar tanto de nós que está disposta a fazer-nos essa vontade? E essa pessoa? E a sua vontade? Devemos contentar-nos com o egoísmo ou recusar essa cómoda falsidade? O que se faz quando se gosta de verdade? Sente-se a mentira? Reconhece-se a verdade? Sim? Não? É isso a cumplicidade? É um entendimento justo ou apenas a permissividade de cada um por gostar do outro com sinceridade? “Não” significa mesmo não? As recusas são sempre inequívocas entre amantes? “Não quero” significa sempre “não me apetece mesmo” ou, às vezes, significa apenas um “pode ser” de uma sedução preguiçosa e mal conseguida? É isto que se deve esperar da pessoa que se encontrou em algum dado momento da vida? É o medo do que há de mais íntimo entre duas pessoas que se querem um demónio assim tão difícil de exorcizar? É um monstro de feições assim tão feias que nos revolve as tripas? É uma quimera assim tão impossível de encarar por falta de coragem para aceitar as diferenças como elas são? E que diferenças? O que é verdadeiramente diferente? Quem o considera? Em relação a quê ou a quem? Quem tem esse direito e autoridade? E a sapiência para fazer tal juízo? Reside em alguém? E isso importa? Importa mesmo? Por que razão não havemos de querer amarrar alguém para sentir o poder de decidir sobre o prazer da pessoa que queremos? Se queremos essa pessoa, não queremos também que o seu prazer seja verdadeiro? “Posso prender-te à cama? Algemar-te as mãos? Queres experimentar o que é foder sem teres o controlo sobre o teu desejo de te agarrares a mim e cravar-me as unhas na carne? Queres arder com o tesão de procurares morder-me o pescoço sem te conseguires mexer para o fazer?” Porque não perguntar essas coisas? Porque não? Porque não fazê-lo enquanto olhamos a outra pessoa nos olhos e lhe pegamos na mão? Porque não? Porque não dizer-lhe quem somos se temos essa pessoa no coração? Porque não? São respostas difíceis de saber? Se me perguntarem, saberei responder? Saberei, se me olharem nos olhos? Saberei, se me pegarem na mão? Terei, antes, mais perguntas em vez de respostas? Sim? Não? Afinal, o que sei eu sendo apenas um cão?
Cão Sarnento.
Cão Sarnento.
7 comentários:
Se não sabes digo-te eu!
Não são as perguntas ou as repostas que importam...o que importa é o que nos permitimos mostrar de nós. Que quantidade de nós damos aos outros...que veracidade?
nadar em pontos de interrogação? posso acrescentar umas ondas?
expressar o que se quer, o que se sente, por mais aberrante que seja, é fetiche?
Vamos deixar de querer se não encontrarmos consenso? Vamos tentar concretizar tudo o que queremos independentemente da vontade dos outros?
Devemos acreditar que nos conhecemos a nós próprios?
hhuuuummmm...
os pontos de interrogação sempre me agradaram...não sei porquê...
uma possível abordagem:
"If I take you from behind
Push myself into your mind
When you least expect it
Will you try and reject it
If I'm in charge and I treat you like a child
Will you let yourself go wild
Let my mouth go where it wants to
Give it up, do as I say
Give it up and let me have my way
I'll give you love, I'll hit you like a truck
I'll give you love, I'll teach you how to ...
I'd like to put you in a trance, all over
(...)
Once you put your hand in the flame
You can never be the same
There's a certain satisfaction
In a little bit of pain
I can see you understand
I can tell that you're the same
If you're afraid, well rise above
I only hurt the ones I love
(...)
I don't think you know what pain is
I don't think you've gone that way
I could bring you so much pleasure
I'll come to you when you say
I know you want me
I'm not gonna hurt you
I'm not gonna hurt you, just close your eyes
I'd like to put you in a trance
(...)
Only the one that hurts you can make you feel better
Only the one that inflicts pain can take it away"
Madonna, Erotica
choné, o texto está muito bom! Mas a ilustração é que me deixou pasma!! parece MESMO uma foto!!! os meus sinceros parabens pelo trabalho, tá dos melhores!
agora, pintura de unha à francesa é que tá muito demodé, meu caro! lol
O que importa é o que se considera importante, mesmo que não seja absolutamente importante. Na maior parte das vezes, a importância é uma percepção subjectiva, como tudo o resto. O que importa é perceber que o importante é aceitar a importância que os outros dão àquilo que não nos importa.
Cada pessoa é um fetiche. Uns poucos aceitam-no e mostram-no. Muitos mais o aceitam mas escondem-no. A maior parte, simplesmente, acha que isso é absurdo e reprime-se com o pensamento "eu não sou assim."
O ponto de interrogação é uma serpente acabada de sair do ovo. Aí tens o porquê.
("Madonna Erotica" é um eufemismo simpático) :D
sim, suponho que "Madonna, sado-maso" seria muito mais "fetish" ;)
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